Quando
o Filho de Deus se fez homem e veio a este mundo, tomou o nome de Jesus ou
Salvador, porque viera para salvar-nos e não para perder-nos. Ao iniciar a sua
vida pública, escolheu doze apóstolos. Os primeiros foram Pedro e André, que
viviam da pesca, em seguida Tiago e João.
Jesus
passara alguns dias em Cafarnaum fazendo pregações e milagres. Um dia quando
passava pela cidade em direção ao Mar da Galiléia, Jesus parou diante de uma
banca de arrecadação de impostos, onde se travava uma acalorada discussão:
–
Por favor, eu já disse, paguei tudo o que devia!
–
Pagou?! Pagou nada! Ainda me deves 200 denários!!! – retorquiu inclemente o
cobrador de impostos que se chamava Levi.
–
Mas, não tenho mais dinheiro, tudo que tinha já lhe dei!
–
Pois então, prepare-se! Se não me pagares amanhã, irás para a prisão!!!
–
Mas eu tenho mulher e filhos para cuidar!
–
Ora, então venda-os e dê o dinheiro para mim!
Os
circunstantes que ouviam o diálogo, diziam entre si:
–
É mesmo um maldito publicano, pecador e aliado dos pagãos! Que Deus jamais tenha
piedade dele!!!
Nesse
momento, aproximando-se da banca, Jesus olhou para Levi. Este, a princípio, não
notou a sua presença, tão ocupado estava em contar as moedas.
Enquanto
isso, o povo cochichava:
–
Vejam, o Mestre o está olhando. Certamente o increpará de seus pecados!
Percebendo
Levi, que uma sombra projetava-se sobre a sua mesa, ergueu a cabeça, e seus
olhos incidiram exatamente no olhar do Divino Salvador, que lhe disse apenas essas
palavras:
–
Segue-me!
Levi
ergueu-se tão impetuosamente, que a torre das vinte moedas que já juntara desmoronou
e caíram no chão. Levi, que também se chamava Mateus, não as olhou e seguiu o
Mestre.
Assim
começou para Mateus uma outra vida, na qual seria chamado Apóstolo do Senhor.
No
mesmo dia Mateus convidou a Jesus, juntamente com Pedro e André, Tiago e João
para um grande banquete em sua casa. Chegaram muitos outros publicanos e pecadores
e se sentaram à mesa com Jesus.
Os
fariseus, vendo que Jesus comia com eles, murmuram:
–
Ele come junto com os pecadores!
Jesus,
que ouvia o fundo dos corações, virando-se para os fariseus, disse:
–
Os que têm saúde não necessitam de médico, mas sim os doentes. Ide, e aprendei
o que vos digo: quero misericórdia e não sacrifício; porque não vim chamar os
justos e sim os pecadores.
Desde
então Mateus, de publicano, transformou-se em apóstolo, e neste caminho perseverou
até o fim! Acompanhou o Mestre em seus três anos de vida pública e depois de
receber o Espírito Santo com a abundância de suas graças, no dia de Pentecostes,
pregou durante vários anos na Judéia. Em seguida levou o Evangelho a uma
longínqua nação, a Etiópia.
Impelido
pelo Espírito Santo, dirigiu-se para a cidade de Nadaber. Ali foi hospedado
pelo Eunuco que fora batizado pelo diácono São Filipe. São Mateus não demorou
em fazer os primeiros discípulos. Estes logo lhe informaram da existência de
dois grandes magos, Zaroés e Arfaxat, que enganavam os homens com seus truques,
parecendo ter o poder de curar doenças e praticar outros milagres. Cheios de soberba,
faziam-se adorar como deuses e exerciam forte influência sobre o rei Églipo e
sua esposa Ifianassa. O apóstolo Mateus percebeu como o prestígio daqueles
magos era causa de perdição para os homens, e quis converter a Zaroés e
Arfaxat.
Depois
destas informações o Eunuco perguntou a Mateus:
–
Como consegues falar e compreender tão facilmente a nossa língua?
–
Depois da descida do Espírito Santo, nós apóstolos, recebemos dEle o conhecimento
de todos os idiomas. Mas agora, vamos até a praça ver se lá encontramos os dois
magos!
São
Mateus, ao sair da casa do Eunuco, foi seguido de grande multidão, pois correu
a voz de que ele queria se encontrar com Zaroés e Arfaxat.
Chegando
à praça central da cidade, avistou os dois magos que, em alta voz, ameaçavam os
habitantes de Nadaber:
–
Se não nos obedecerem, eis que a nossa ira cairá sobre vós! - disse Arfaxat.
–
E mandaremos que esses dois leões, que temos conosco, avancem contra vós! - completou
Zaroés.
A
multidão, apavorada, pedia clemência.
São
Mateus, munindo-se do sinal da cruz, levantou a voz e foi com segurança até eles:
–
Não vos preocupeis, pois trago a salvação do Senhor Jesus!
Vendo
os magos que havia aparecido um homem que ousava enfrentá-los, ordenaram aos
leões que atacassem o apóstolo. Este, erguendo uma pequena Cruz de madeira,
disse:
–
A paz esteja convosco!
E
todos viram que os dois enormes leões deitaram-se mansamente aos pés do apóstolo
e dormiram profundo sono.
Então
São Mateus disse aos magos:
–
Onde está a arte de que fazeis uso? Onde está o vosso poder? Desperte-os se puderem!
Eis que contra o sinal da Redenção vossos bruxedos de nada valem. Vosso poder
provém da mentira, que é o demônio que nada pode contra Cristo!
Grande
multidão se reunira e São Mateus, voltando-se aos leões a seus pés, despertou-os
e os mandou embora. No mesmo instante partiram, sem fazer mal a ninguém. O
apóstolo começou a fazer então um grande sermão ao povo sobre a glória de Nosso
Senhor Jesus Cristo e do Paraíso cujas portas foram abertas por Ele. E assim,
naquele dia, São Mateus batizou muitos homens e mulheres, velhos e crianças.
Porém,
Arfaxat e Zaroés, fechando-se para as graças do Espírito Santo, prometeram vingar-se
do apóstolo.
No
dia seguinte, uma notícia iria entristecer todo o povo da Etiópia: a morte do filho
do rei Églipo!
Como
Zaroés, Arfaxat e outros magos não conseguiram ressuscitar o filho de Églipo, e
temendo com isso perder o seu prestígio já abalado com a derrota na praça, teceram
uma ardilosa explicação. Arfaxat, apresentando-se com seu amigo diante do rei,
disse:
–
Senhor, sempre que foi preciso ressuscitamos um morto, pois isso, – para nós que
somos enviados dos deuses – não é tarefa difícil! Entretanto, vosso filho não
foi ressuscitado, não porque nós não conseguimos, mas a causa se deve a ele ter
sido escolhido pelos deuses a lhes fazer companhia!
–
Sim! É isso! - atalhou Zaroés. - E o que deves fazer agora é erguer uma estátua
e um templo ao novo deus, seu filho!
O
Eunuco da rainha tudo ouvira e franqueou a entrada de São Mateus nos aposentos
em que estava o corpo do príncipe. Junto ao leito fúnebre estavam sua mãe Ifianassa
e sua irmã Ifigênia, que choravam a morte do ente querido.
Ao
entrar, o apóstolo disse serenamente:
–
A paz do Senhor esteja sempre convosco!
E
erguendo a Cruz que sempre levava consigo, rezou:
–
Senhor Jesus, é chegada a hora de glorificar ao Pai! Lembra-te, Jesus, de que ressuscitastes
o filho da viúva e o que o mesmo fizestes à filha de Jairo; que chamastes
Lázaro quando este já havia morrido a quatro dias. Vós, meu Deus, que ressuscitastes
dos mortos e que nos destes a vida! Vós que nos prometestes que “tudo o que
pedirmos a vosso Pai em teu nome, nos será dado”, eu vos peço Senhor Jesus, nascido
da Virgem Maria, de que ressusciteis este jovem!
E
eis que no mesmo instante o príncipe abre os olhos e levanta-se da cama!
Mãe
e filha caem aos pés do apóstolo soltanto gritos de alegria. Nesse momento, entra
nos aposentos o rei Églipo e vendo seu filho vivo, não sabe o que fazer. Sua esposa
lhe disse apontando para São Mateus:
–
Ele o ressuscitou!
O
rei exclamou:
–
Um deus! Um deus! Venham todos ver um deus oculto sobre os traços de um homem!
Ele acaba de ressuscitar o meu filho!
Então,
homens e mulheres apresentaram-se com coroas de ouro e diferentes tipos de
sacrifícios a serem oferecidos a São Mateus, que os impediu, dizendo:
–
Homens, que fazeis! Não sou um deus, mas apenas um apóstolo do Senhor Jesus
Cristo.
Então,
aproveitando a excelente ocasião deu início a uma pregação, no fim da qual todos,
pediram o batismo.
Com
o ouro e a prata que haviam levado, o Bem-aventurado pediu que as pessoas construíssem
uma Igreja, o que foi feito em 30 dias.
No
dia da consagração daquele novo templo de Deus, São Mateus consagrou Ifigênia a
Nosso Senhor Jesus Cristo. Junto com ela foram consagradas também mais 200
virgens.
Passaram-se
alguns anos e Églipo morreu, sendo sucedido no trono por seu irmão Hírtaco.
Este, não havia recebido o batismo e queria se casar com Ifigênia. Para isso, mandou
chamar o apóstolo Mateus e prometeu dar-lhe tesouros sem fins se a convencesse
a se casar com ele. São Mateus disse ao rei para que fosse domingo à Igreja que
ali ele arranjaria tudo.
Hírtaco
alegrou-se muito com isso. No dia marcado, o rei apressou-se a ir à Igreja.
No
momento em que São Mateus ia dirigir a palavra ao povo, lá estavam presentes o
rei, Ifigênia e as 200 consagradas que eram dirigidas por ela. O apóstolo
discorreu longamente sobre as vantagens do casamento e foi muito elogiado pelo
rei, crente de que dizia aquilo para animar a Ifigênia a se casar com ele.
Depois de pedir que se fizesse silêncio, São Mateus retomou o sermão, dizendo:
–
O casamento é uma boa coisa quando nele se mantém a fidelidade. Saibam os presentes
que se um escravo tivesse a presunção de raptar a esposa do rei, não apenas ofenderia
o rei como também mereceria a morte, não por ter se casado, mas porque convencera
a esposa de seu senhor a violar o seu matrimônio. E o mesmo aconteceria a vós,
ó rei Hirtaco, pois saibas que Ifigênia tornou-se esposa do Rei Eterno e está consagrada
a Ele. Assim, como poderias tomar a esposa de alguém mais poderoso do que vós e
unir-se a ela pelo casamento?!
Quando
o rei ouviu isso, retirou-se louco de raiva. O intrépido e firme apóstolo exortou
todo mundo à paciência e à constância, a seguir abençoou Ifigênia.
Terminada
a missa o rei enviou um carrasco que com uma espada feriu mortalmente a São
Mateus, que estava orando de pé diante do altar e com os braços estendidos para
o Céu. E assim fez dele um mártir.
Sabendo
disso, o povo correu ao palácio do rei para incendiá-lo, e foi com dificuldade
que os padres e diáconos puderam contê-lo. Em seguida, celebraram, com solene
alegria, o martírio do apóstolo.
Como
o rei não conseguia por nenhum meio mudar a resolução de Ifigênia, decidiu
matá-la. Para isso, convocou alguns soldados. Estes, foram à noite até a casa de
Ifigênia e acenderam fogo em volta de sua residência para queimá-la junto com as
outras virgens.
Quando
o fogo já dava a volta à casa, e Ifigênia e suas companheiras encomendavam suas
almas a Deus, eis que se dá uma aparição do apóstolo São Mateus que
imediatamente afastou o fogo e o mandou em forma de uma esfera em direção ao
palácio de Hírtaco.
Vendo
seu palácio destruído pelo fogo, Hírtaco não quis ainda reconhecer o poder de
Deus, e blasfemando, jurou vingança. Neste instante, seu filho é possuído por
um espírito mau. Alguns servidores do rei tomando saíram correndo para o
sepulcro do apóstolo. Ao chegarem ali encostaram seu corpo no túmulo e ficou são.
Este reconheceu a Nosso Senhor e pediu o perdão de pecados.
Entretanto,
Hírtaco, como obstinava-se no seu pecado, foi atacado por uma lepra horrível.
Não quis reconciliar-se com Deus e matou-se com a própria espada.
Na
manhã seguinte, o povo aclamou como rei o irmão de Ifigênia, o mesmo que havia
sido ressuscitado e batizado pelo apóstolo. Ele reinou setenta anos e foi
depois substituído por seu filho, que ampliou o culto cristão e encheu toda a
Etiópia de igrejas em honra de Jesus Cristo.
Quanto
a Zaroés e Arfaxat, desde o dia que São Mateus ressuscitara o filho do rei Églipo,
fugiram para a Pérsia, mas ali encontraram-se com os apóstolos São Simão e São
Judas Tadeu.
O Evangelho e as
relíquias de São Mateus
Os
manuscritos do Evangelho de São Mateus foram encontrados no ano 500, junto com
os ossos de São Barnabé. Este apóstolo carregava aquele Evangelho consigo e punha
sobre os enfermos, que eram todos curados tanto pela Fé de São Barnabé quanto
pelos méritos de São Mateus.
No
ano de 1080, Santo Alfano, arcebispo de Salerna, lá descobriu as relíquias de São
Mateus. Apressou-se em comunicar o achado ao Papa São Gregório VII, que o felicitou,
e com ele toda a Igreja Católica, numa carta datada do dia 18 de setembro, na
qual recomenda ao bispo que as preciosas relíquias sejam dignamente veneradas.
A
sua festa ficou fixada no dia 21 de setembro.
Sobre
Santa Ifigênia diz o resumo do martirológio: “Na Etiópia, Santa Ifigênia, virgem:
batizada e consagrada a Deus pelo Bem-aventurado Mateus, apóstolo, acabou
santamente os dias”. Sua festa é comemorada no mesmo dia de São Mateus.
Fonte: Jacopo de Varazze. Legenda Áurea. Companhia das Letras
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